"Missão dada (mesmo no exterior) é missão cumprida." AdoroCinema
Remakes geralmente são vistos com maus olhos, ainda mais se estivermos falando de um clássico, cultuado e adorado por muitos. Robocop é um desses filmes, uma obra icônica do cinema com sua hiper-violência, humor negro e sátira social. Bom, eu nunca o assisti (só assisti uma de suas sequências, que eu não lembro qual), então não posso dizer se é melhor ou não do que o remake de Padilha. Mas falando dessa nova versão isoladamente, digo que é um filme ótimo - e que não merece críticas tão injustas.
Vamos analisar os maiores detratores dele - os críticos americanos e os fã xiitas. No RottenTomatoes o filme está oscilando entre 49 e 50%. Aí você para e se pergunta: "meu Deus, por quê?". E a resposta é simples: eles não se cansam de ficar comparando o novo com o original de 1987. "Ah, não é tão violento por causa da classificação PG-13""Ah, o uniforme é preto e não cinza""Ah, ele não tem uma mão verdadeira""Ah, ele é MAIS ÁGIL do que o antigo Robocop".
Fãs xiitas, vão se lascar, ok?
A verdade é que o maior dilema de um remake está entre encontrar o equilíbrio entre não ser uma fotocópia do original e não ser uma versão nada a ver. E o Robocop de Padilha consegue isso. Adaptado a uma nova realidade, com novas temáticas e personagens (afora o protagonista, nenhum outro existe - nem mesmo com o mesmo nome - no original do holandês Paul Vernhoeven), ele é sim um filme diferente - mas as citações, elementos e singelas homenagens (como a quote que dá título a esse texto) podem sim agradar a muita gente que prefere o antigo.
E por mais que esta nova versão seja adaptada às massas como um legítimo blockbuster, possui o mérito de ser ousada, inteligente e crítica- tudo de uma forma sutil, é claro. O roteiro, assinado por Joshua Zetmer e com contribuições de Padilha, além de tratar em primeiro plano a relação homem/máquina, trás ainda ótimas críticas à política imperialista e hipócrita norte-americana, bem como a manipulação da mídia.
Isso é evidente na sensacional abertura do filme, onde somos apresentados a Pat Novak (um Samuel L. Jackson inspirado como nunca), um apresentador direitista e que é a favor do uso das máquinas em solo americano, já que os EUA são o único país do mundo que proíbe a atuação militar delas. O que é irônico, porque o país é mostrado usando em Teerã para promover a "paz", mas o que se vê é imposição da ideologia yankee e subjugação de um outro povo, o que leva a um ataque suicida de homens-bombas iranianos que é rapidamente cortada da transmissão do programa de Novak, mostrando como ele é apto a manipular os fatos em favor do que defende. Aliás, muitos apontaram e eu retifico: Novak me lembra Datena, Marcelo Santana e muito desses apresentadores brasileiros que vemos nesses programas "verte-sangue" por aí, como Cidade Alerta, Balanço Geral e outros. Programas esses que me dão nojo, e que utilizam estratégias similares às mostradas no filme. Seria Padilha mandando uma indireta? Pode ser, mas ao que parece esse tipo de apresentador não é restrito ao nosso país. E mesmo se tratando de um filme passado em 2028, ele mostra um futuro bastante real e plausível, que encontra ecos nos presentes dias, onde vemos o EUA chutando as portas das casas árabes e de tantas outras nações para enfiar a sua "democracia" e "American Way of Life".
A outra temática do filme, a dicotomia homem-máquina, é tratada com bastante ênfase ao longo da produção. Vemos um Alex Murphy (um Joel Kinnaman que, apesar de ser um ator desconhecido, me agradou e convenceu bastante no papel principal) que é cada vez reduzido a uma máquina sem sentimentos, apenas para ser o produto perfeito da corporação OmniCorp (não se esqueça de notar o fato da fábrica da corporação estar localizada na China, assim como as grandes empresas fazem hoje por razões de mão-de-obra barata). Entretanto ao longo do filme o inevitável acaba acontecendo: o lado humano prevalece, principalmente graças à família de Murphy, um elemento ausente no original. A própria temática desse conflito interno do protagonista é maior explorada do que no de Vernhoeven.
Se por um lado Kinnaman pode ser estranho ao espectador por se tratar de um ator pouco conhecido, o elenco coadjuvante não podia ser melhor. Além da atuação épica de Samuel L. Jackson, destaco o sempre talentoso Gary Oldman no papel do Dr. Norton, responsável por criar Robocop, e Michael Keaton com suas usuais canastrice e canalhice, criando o CEO da Omnicorp que é o mais perto que temos de um vilão no filme.
Por que digo isso? Por que vi em outra resenha uma das (poucas) falhas do filme é não criar um vilão presente o suficiente. O Raymond Sellars de Keaton é um empresário ganancioso e astuto, disso não há dúvida, mas é tão estranhamente carismático (justamente por ser tão canastrão e canalha como só Keaton pode ser) que nem mesmo quando toma atitudes "vilanescas" no clímax do filme acaba convencendo muito. Temos os policiais corruptos e o criminoso Vallon que armam a explosão que fere Murphy gravemente, o desprezível Mattox interpretado por Jackie Earle Hearley e até os drones e demais robôs pertencentes à empresa, mas não diria que eles são os grandes antagonistas. Robocop enfrenta tantos inimigos que no fim das contas nenhum deles se destaca tanto assim, a não ser Sellars.
Tecnicamente, o filme é um primor. É bom ver que Padilha mantém sua câmera trêmula e frenética vista nos dois Tropa de Elite - um sinal de que ele conseguiu aproveitar do seu estilo mesmo tendo de se submeter às regras de Hollywood, ao ponto de trazer os companheiros brasileiros Daniel Rezende pra edição e Pedro Bronfman pra trilha sonora. Esta aliás se destaca por revisitar o tema de Basil Poleudoris do primeiro filme e por canções como "Fly me to the Moon" de Frank Sinatra e "If I Had Only a Heart" do Homem de Lata d'O Mágico de Oz - canções inseridas no devido contexto. Há uma boa dose de violência, mesmo que quase nenhum sangue por causa da classificação etária. Por outro lado, temos uma cena fascinante e perturbadora que é a que mostra o quão danificado ficou Alex e o que restou de seu corpo após a explosão.
Há algumas cenas em particular que me chamaram a atenção, além da abertura em Teerão exibida pelo programa de Novak: uma singela cena onde vemos um homem com braços mecânicos executar um solo de violão (que serve de introdução para a construção do conflito homem/máquina); a cena onde Robocop vê o filho pela primeira vez após a explosão, já transformado em máquina; e é claro, a cena do depósito, onde temos o policial enfrentado Mattox e seus robôs ao som de "Hocus Pocus" do Focus (que você pode ouvir lá em cima no vídeo). Como um fã de rock progressivo, fico emocionado.
Então é isso. Sei que a resenha ficou grande pra caramba, mas realmente eu gostei muito do filme e não há como negar que estou orgulhoso de ver Padilha entrando com o pé direito e muita ousadia em Hollywood. Os gringos podem dizer que estamos superestimando o filme por ser dirigido por um brasileiro, mas quer saber? Dane-se se eles acham isso. Ou os 50% do RottenTomatoes. Robocop é um dos melhores reboots dos últimos tempos, e mesmo que as bilheterias sejam modestas já é certeza de que temos uma nova franquia aí. E que mantenha o mesmo padrão de qualidade e crítica!