quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Consciência.




Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. Eu nunca concordei muito com essa frase.

Mas Ele pode se valer de todo e qualquer momento para nos ensinar. E posso dizer que passei por isso hoje. Há situações que em sua essência podem aparentar ser banais, mas cujas consequências podem nos trazer necessárias - e dolorosas - verdades.

Hoje eu colei na prova de Física. É. "Nossa, logo você, Vinícius, que era um aluno tão exemplar e bem-quisto, uma referência, fazendo uma coisa dessas?". É, logo eu. Era isso ou tirar 0, porque não sabia nada. Mas no fim das contas não adiantou muito, porque o professor pegou minha cola e deve ter me dado um zero do mesmo jeito.

Não fiz nenhum alarde. E por que faria? Eu sabia que aquilo era errado no momento em que decidi fazê-lo, então ter sido pego e perder nessa prova - com todas as suas implicações, incluindo a chance agora praticamente nula de passar nela nesse semestre e atrasar ainda mais o curso - era o que eu realmente merecia. Paguei o preço, e aceitei-o. 

No caminho para casa fiquei matutando várias coisas. Se contaria para minha mãe ou não (no fim contei, e vi que era o melhor a se fazer), um pouco no impacto desse zero pro curso, em culpa, nessas coisas. Chegando em casa fui pro quarto. Hora do desabafo. Mas sinceramente não sabia muito o que dizer.

Felizmente as palavras vieram. Enfim ia compreendendo que havia chegado numa situação-limite da minha existência: aquele ato de colar, tão supérfluo e natural pra tantos alunos (mas que nunca o fora pra mim), era apenas um reflexo do tipo de pessoa que vinha me tornando: um péssimo aluno, um péssimo cidadão, um péssimo cristão. Vivendo de relativismos morais, de conveniência, de hipocrisia. Negligenciando a Palavra, negligenciando e contradizendo meus princípios. Sabia que não podia mais viver essa vida. Sabia que precisava mudar.

Fui para a Palavra, pedindo orientação do Espírito para me guiar a uma passagem que falasse ao meu coração. E a achei, lá em Tiago, não à toa meu livro favorito da Bíblia. foram duas, na verdade:

"Quem dentre vós é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom trato as suas obras em mansidão de sabedoria.
Mas, se tendes amarga inveja, e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade.
Essa não é a sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal e diabólica.
Porque onde há inveja e espírito faccioso aí há perturbação e toda a obra perversa.
Mas a sabedoria que do alto vem é, primeiramente pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, e sem hipocrisia.
Ora, o fruto da justiça semeia-se na paz, para os que exercitam a paz." Tiago 3.13-18


"Portanto, submetam-se a Deus. Resistam ao diabo, e ele fugirá de vocês.
Aproximem-se de Deus, e ele se aproximará de vocês! Pecadores, limpem as mãos, e vocês, que têm a mente dividida, purifiquem o coração.
Entristeçam-se, lamentem e chorem. Troquem o riso por lamento e a alegria por tristeza.
Humilhem-se diante do Senhor, e ele os exaltará." Tiago 4:7-10


Lendo essas duas passagens, fui tomado pelas lágrimas. E por que não seria? Afinal de contas aquela era uma palavra rhema, ou seja, a Palavra de Deus revelada e aplicada pelo próprio Espírito Santo a mim naquele momento. Não foi por acaso que eu caí exatamente naqueles dois textos. Eles tinham algo a me dizer, e logo vi do que se tratava: sabia que se precisava pedir alguma coisa a Deus, era justamente a Sua sabedoria: eu necessito dela, todos nós necessitamos, justamente pelos seus atributos. 

Ah, mas nós somos tão donos de nós mesmos, não é? Certamente foi o que pensei na hora da prova. Achei que estava no controle da situação, mas veja no que deu. E é claro, não foi a primeira vez e infelizmente não será a última. Faz parte de nós, essa ilusão de que podemos ser senhores de nosso destino. Mas o que foi que disse uma vez em um dos meus textos aqui no blog? "Fazemos planos, e eles viram pó".

Quantas vezes fui um tolo. Movido por inveja, sentimentos tão contraditórios como o orgulho e a inferioridade. Quantos momentos de crise, de dúvida, de incerteza quanto ao futuro. De se olhar no espelho e parecer não se reconhecer mais. A criança que um dia fui se orgulharia do rapaz que sou? Talvez não. Mas quero viver de forma que este rapaz ao menos sinta orgulho do homem do amanhã. 

Para isso preciso ser Mais Nele. E então chegamos ao que Tiago fala no capítulo 4. Está muito claro o que é preciso fazer, a Quem preciso entregar meu futuro, minhas escolhas. O meu eu precisa morrer cada vez mais, o mal precisa ser expurgado do meu coração, este precisa ser limpo e consertado, e só assim terei o direito de portar o nome de Cristo em minha vida. Afinal de contas, como diz a letra da linda música do vídeo lá de cima, se tenho a Ele, tenho a verdade, "no 'assim diz o Senhor' e não no 'eu acho que'".

Que esse não seja um momento de quebrantamento isolado e passageiro, onde o velho Vinícius volte à tona e se esqueça daquilo que o Espírito obrou nele. Mas que seja uma mudança contínua e constante, que se faça refletir não só em mim, mas naqueles à minha volta. E que impere a vontade do Deus vivo, Aquele que me amou primeiro, e não a vontade deste ser tão falho. Que seja a voz Dele a falar em minha consciência e me torne assim uma pessoa melhor, vivendo desta Verdade que ilumina e alimenta dia após dia.

"Eu tive muitas coisas que guardei em minhas mãos, e as perdi; mas tudo o que eu guardei nas mãos de Deus, eu ainda possuo." Martin Luther King

sábado, 13 de dezembro de 2014

As memórias da Terra-Média.

Fico feliz de que antes de assistir A Batalha dos Cinco Exércitos pude finalmente ler O Hobbit e O Senhor dos Anéis, depois de muito tempo postergando. Quando terminei a leitura dos livros comentei aqui algumas das minhas impressões sobre eles, palavras insuficientes pra descrever a grandeza desta obra, a magnificência dela. 

Talvez justamente por ter lido os livros depois de assistir os filmes fui menos crítico quanto a estes, embora hoje veja claramente que mesmo com a adição de muitos e interessantes materiais a esta trilogia d'O Hobbit (Dol Goldur, os prenúncios da ascensão de Sauron vista em LoTR), nada justifica a divisão em três filmes senão a fome por dinheiro dos estúdios. Isso ficou meio evidente em A Desolação de Smaug, que mesmo sendo um ótimo filme sofreu claramente daquela síndrome de "filme do meio" de uma trilogia, claramente sem um começo e fim definidos (apesar de que jogar o que devia ter sido seu clímax pro terceiro filme como sua cena de abertura tenha rendido um prólogo fenomenal para este e um cliffhanger incrível pra DoS). E Uma Jornada Inesperada, por mais que (aparentemente) seja o mais adorado pelos mais Tolkenianos, ainda sofre do fardo de sua lentidão e da infantilidade mal-disfarçada (vamos lembrar que o Hobbit foi um livro escrito pra crianças).

A Batalha dos Cinco Exércitos não compensa os erros dos anteriores, nem eleva a trilogia ao patamar de LoTR, mas wow, é um filme incrível. Mais curto (beeeem mais curto) que qualquer um dos outros ambientados na Terra-Média, ele possui duas metades distintas, além do já citado prólogo onde Smaug derrama em fogo sua fúria sobre a Cidade do Lago: a primeira trabalha toda a tensão dos exércitos que convergem pra Montanha Solitária em busca tanto de abrigo depois da calamidade quanto do tesouro que agora é reapossado pelos anões. E aqui eu preciso destacar todo o brilhantismo de Richard Armitage como Thorin, cada vez mais embebido da ganância e do poder, sofrendo da "doença do dragão". O personagem cresce significativamente, constituindo-se como uma figura trágica, um rei que é "menos do que foi". Digam o que quiserem, isso é um tapa na cara de quem diz que o Tolkien cria personagens unidimensionais. Com diferentes lados em posição, o conflito parece iminente, mas esta ainda é uma obra maniqueísta: os orcs chegam em torno dos 70 minutos, e então anões, elfos e homens se unem contra eles, marcando assim a batalha que dá título ao filme e o começo da segunda metade.

É sim um conflito grandioso, apresentando diversos elementos - as lutas às portas de Erebor, o conflito dentro das muralhas de Valle, intercalados com a própria companhia dentro da Montanha, sob as ordens de um Thorin cada vez mais conflituoso consigo mesmo. Ainda assim é uma batalha que infelizmente não alcança as glórias das de Helm's Deep ou os Campos de Pellenor da trilogia anterior (com esta última ainda se configurando como a maior cena de batalha da história do cinema), mas satisfaz. Ironicamente, seu melhor momento é justamente no final, onde os exércitos são deixados em um segundo plano pra vermos quatro anões, dois elfos e um hobbit lutarem contra o profano Azog e seus generais. 

(Aliás, quanta apelação pro Legolas hein? Na cena em que ele sobe as pedras a galera do cinema aplaudiu haha)

É aqui onde o filme atinge seus maiores feitos emocionais, mas não entrarei em mais detalhes pra não dar spoilers. Só posso dizer que um certo arco "filler" dessa trilogia é muito bem-resolvido, mesmo que de forma tão trágica (já esperada da minha parte), e o filme por fim consegue nos emocionar, trazendo um fim de certa forma agridoce. Ao final, em seus últimos minutos, o espectador/leitor vai sendo tomado de uma sensação nostálgica, na medida em que a obra vai fazendo suas conexões com O Senhor dos Anéis - conexões essas sugeridas ao longo dos três filmes, mas mais enfatizadas aqui. A última cena é a ponte entre as duas trilogias, quase uma convocação para que enfim as assistamos em ordem, como deve ser feito.

Como um amigo meu disse, o maior erro de Jackson foi querer de fazer d'O Hobbit um outro Senhor dos Anéis. São obras muito diferentes em espírito e ambição, e eu não posso deixar de fazer algumas comparações com Star Wars (até mesmo em termos de recepção crítica e de bilheteria). Não execrarei o Hobbit como muitos leitores fizeram, mas creio que a ideia original de dois filmes realmente devia ter sido respeitada. Contudo, não posso deixar de notar que a trilogia ganhou com a adição de tantos detalhes, muitos provenientes de anotações de Tolkien e/ou do Silmarillion (livro este que ainda preciso ler), e aqui fica claro que Jackson tem sim um enorme carinho e dedicação ao universo de Tolkien. Devemos agradecê-lo por, mais de 15 anos atrás, ter tido a coragem de trazer às telonas uma saga que, mesmo moldando a fantasia moderna como a conhecemos, poderia ser considerada "infilmável". O resto dessa história todo mundo já sabe. Então, mesmo que o Hobbit seja uma saga menos memorável do que LoTR (pelo menos em termos de legado para o cinema), ainda merece ser assistida, desfrutada, e encontrou em A Batalha dos Cinco Exércitos um desfecho satisfatório, senão digno.


E assim estaremos sempre voltando às páginas de Tolkien e às obras de Jackson. Lá e de volta outra vez.

sábado, 18 de outubro de 2014

O dia que passou despercebido.

Há coisas em nossa vida sobre as quais não temos real noção do seu significado até muito depois de terem acontecido. No momento em que ocorrem elas parecem banais ou casuais, mas depois é que a ficha cai. Pode ser assim com seus 18 anos, seu primeiro beijo, só pra citar alguns exemplos. Pra mim, que sou um cara que costuma se importar com certos simbolismos, essas questões de datas são importantes.

Por isso foi com espanto que me lembrei só hoje que anteontem, dia 16, completou-se um ano que moro aqui em Aracaju. Aí a gente para e pensa: "Cacete, já faz um ano que moro aqui!". Você poderia achar que isso não significa nada, até porque me lembrei com atraso. Mas significa. E muito.

Vir pra Aracaju marcou o começo de uma nova etapa da minha vida. Eu estava deixando a casa de meus pais, estava saindo de baixo das asas deles e todos os confortos que isso me proporcionou por 17 anos, pra encarar uma jornada em outra cidade. Ok, eu já tinha morado aqui um ano, em 2009, mas de qualquer forma seria uma experiência diferente. Meus pais e minha irmã não viriam comigo. Eu estava deixando Itapetinga e meu lar pra morar sozinho.

Pra alguns isso é uma sensação de liberdade inebriante. Mas pra aqueles que como eu possuem fortes - e por que não dependentes - laços com seus lares, é mais difícil do que parece. Lógico, nos primeiros dias eu tava completamente entusiasmado pela ideia de morar sozinho e ganhar mais direito sobre meu próprio nariz, a ponto de que quando rolou Semana Acadêmica na UFS e não houve aulas por uma semana, preferi passar essa semana aqui do que ir pra Itapetinga ficar lá naquele período em casa, como sugeriu minha mãe.

Uma decisão da qual me arrependo até hoje.

Eu não fiz nada naquela semana. Absolutamente nada. Fiquei mais em casa do que saindo e fazendo alguma outra coisa. E o pior: eu desapontei minha mãe quando respondi que preferia ficar aqui. Se tivesse a oportunidade de remediar isso certamente remediaria. Tanto que se outra chance aparecer não tomarei a mesma atitude. 

Naquela época eu ainda estava me adaptando à cidade e a essa nova rotina. Depois de um ano "sabático" onde tudo o que fiz foi me viciar mais em internet e a viver uma vida totalmente sedentária, pode-se dizer que eu não era o cara mais preparado do mundo pra uma vida universitária intensa, ainda mais num curso puxado como Engenharia Civil. Bom, o resto da história vocês sabem.

("Já estamos de saco cheio de você falar sobre isso", dizem os leitores)

Enfim, apenas reiterando algumas coisas: o segundo período não foi mais fácil do que o primeiro, mas ao final foi mais gratificante. E ao longo desse ano certamente tive experiências mais do que suficientes pra entender que preciso mudar alguns rumos da minha vida. Mas não gosto de fazer promessas que posso muito bem não cumpri-las: então não sou o tipo de cara que vai chegar e dizer: "novo período, novo eu". Não. Não sei se é porque sempre conto com o benefício da dúvida ou porque realmente não tenha fé de que mude a esse ponto, mas o fato é que muitas vezes acabo me deixando levar pelas circunstâncias e me acomodo demais pra querer mudar algo em mim. Por favor, não me julgue. Já faço isso direto comigo mesmo.

Mas em meio às turbulências, aos sorrisos e lágrimas, às experiências que me amadureceram (ou pelo menos deviam ter me amadurecido), fui encontrando o caminho a seguir. Quantos foram os dias em que me vi no limiar do desespero, não raramente pensando se era esse curso que eu queria seguir, ou se estava destinado a ser um escritor? Mas agora me encontro em tamanha paz em relação a esse assunto. Mesmo que meu curso esteja atrasado pra caramba (fiz o favor de perder mais uma vez numa matéria crucial pra grade), mesmo que esse período venha ser de lascar, mesmo que financeiramente as coisas ainda não tenham melhorado muito... Em tudo a gente vai aprendendo a dar graças.

Ah, eu falei que FINALMENTE terminei a revisão do livro? Sinto até um vazio na alma por isso. Sim, tinha dias em que ficava mais no facebook do que propriamente escrevendo, mas pelo menos tinha um propósito. Agora vou ter de me dedicar ao semestre (damnit), mas de qualquer forma esse é o momento em que mando pras editoras e aguardo respostas. O primeiro passo já foi dado: selecionar algumas e enviar emails procurando saber se estão recebendo originais e se sim, se há um prazo de resposta. Os outros passos vem depois.

A verdade é que depois de três anos escrevendo O Destruidor de Mundos, tudo em que penso é em publicá-lo logo. Mas bom, o que podem ser mais alguns meses depois desses anos? Não é fácil dividir meu foco entre duas coisas tão cruciais quanto minha obra e meu curso, mas a gente vai tentando manter esse equilíbrio tão arduamente encontrado. E tenta por nas mãos do Pai. Tenta melhorar sua relação com Ele, porque tá deixando muito a desejar. Vai construindo suas visões de mundo. Vai crescendo e aprendendo a lidar com as agruras da vida.

Porque mesmo já tendo se passado um ano, a jornada ainda só tá começando. E de qualquer forma, se esta aqui é minha nova casa, a minha velha casa permanece lá na Rua Nova, sempre pronta pra me receber.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Todas as coisas boas do mundo.

Às vezes as palavras não podem expressar toda a gratidão.

Sabe quando há um sentimento de que as coisas vão bem contigo, de que você se sente bem consigo e o mundo ao seu redor? De que elas estão se direcionando de uma forma positiva? Então, esse sentimento me acompanha nos últimos dias. E isso é maravilhosamente bom. Enquanto que sentir isso não é garantia de que tudo vai bem, é realmente encontrar aquela paz em meio à tormenta, a paz de que eu precisava com tanto afinco. É dar graças em tudo.

Ontem fiz minha última prova. Cálculo. Integrais. Muita responsa. Precisava tirar 5,5 pra passar, sem necessitar da prova repositiva (feita para aqueles que não compareceram a uma das provas anteriores ou queriam repor a menor nota a fim de poderem passar). E sabe quando tirei? 9,5. Isso! Eu, o cara que perdeu em Cálculo no primeiro semestre, que tava penando ao longo desse período tanto quanto no anterior, tirei a segunda maior nota da turma. Você, leitor, pode imaginar a minha felicidade? A minha alegria em ter conseguido esse feito, de ter garantido a aprovação nessa disciplina que é de longe a principal para a continuidade do curso? Acho que pode. 

Mas não é só por Cálculo. É uma vitória muito mais significativa do que uma boa nota em uma prova. É por tudo que vivenciei dos últimos meses, pelas vitórias, derrotas, lágrimas e sorrisos. Experiências compartilhadas aqui no blog, o meu espaço, o meu pequeno recanto de confissões. E que também não poderiam refletir toda a turbulência do meu íntimo, toda a humanidade, falibilidade. Esse é o grande desejo do ser humano, não? Se entender por completo. Essa é a nossa busca, vivida de tantas formas, graças à singularidade do homem.

E nesse caminho surpresas surgem. Doces, que inebriam nossa alma. E é engraçado como elas acontecem de uma forma tão casual, sem a aura mágica da qual as cobrem, mas ainda assim nos impactam. Como um sonho.

O título desse texto vem de uma antiga ideia que tenho pra um livro. Não poderia dizer o que representa exatamente, mas talvez tenha a ver com isso: com gratidão, com um olhar positivo, lúcido, para o mundo, para o que há nele. É se apropriar dessa felicidade, fazê-la sua, transbordar-se dela e inundar os outros com ela. E viver nela, com essa paz que vem do alto. Que essas férias me tragam a reflexão e o direcionamento necessários, e que minh'alma e meu espírito estejam plenamente fortalecidos para os desafios que virão.

"É difícil ficar zangado quando há tanta beleza no mundo." 

sábado, 13 de setembro de 2014

Confessional.

Eu acho é lindo. Que meus dois celulares estejam quebrados, em tão pouco espaço de tempo. Eu acho é lindo. Que quando o imbecil aqui não cuida bem das suas coisas, elas param de funcionar por razões que estão além de minha compreensão. Eu acho é lindo. Perder a cabeça por coisas tão fúteis como dois celulares.

Ou talvez não seja só por eles. Talvez seja por muito mais. Talvez seja por 2014, esse ano assustador, difícil. Talvez seja pela saudade de casa. Talvez seja pelos sacrifícios necessários. Talvez seja pelos conflitos internos. Talvez seja por essa fragilidade. Talvez seja pelo estresse da universidade. Por ter deixado a desejar. Por um desejo materialista. Por uma solidão que grita em meio a multidão. 

Ou talvez seja só por eles mesmo e eu só seja um mesquinho.

E no momento de mais desolador desespero, eu ergo os olhos para o alto e dirijo minha raiva, angústia, vitimismo, para o Eterno. E às vezes Ele me responde, mas nem sempre como eu gostaria. Outras me deixa esperando em silêncio. O meu último (mas que deveria ser o primeiro) fio de esperança, a ilha no meio do mar tempestuoso. O porto seguro. Me escute, me ajude. Eu tô cansado dessa merda toda.

Um monte de gente não vai dar a mínima pro que eu tô escrevendo. Tudo bem. Importa-me como eu me sinto. O que está escrito aqui não é nada que não tenha escrito no blog antes, mas não é nada que mensure como ando me sentindo. Eu quero paz. Quero uma vida mais fácil e menos apertada. Quero não ter de esperar tanto. Eu quero muitas coisas. Mas quantas delas são realmente sensatas? Quantas delas me tornarão alguém melhor?

E no meio disso tudo a gente vai, com muita dor, lágrima e paciência, crescendo.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Pela extinção da carrocracia.


Esta é a foto de minha mão direita aberta. Da ponta do mindinho até a ponta do polegar, ela mede vinte centímetros. A maioria das mãos, não importa as diferenças entre elas, sejam de homens ou mulheres, tem medidas similares: 20 cm da ponta do mindinho à ponta do polegar, quando espalmadas. Guarde esta informação. Retornarei a ela mais adiante.

Recentemente, numa discussão tuiteira, o comediante Marcelo Tas criticou o programa eleitoral do candidato à presidência, Eduardo Jorge (PV). Em sua propaganda, Eduardo Jorge recomenda às pessoas que usem menos os carros.

Ao que parece, Tas entendeu que o candidato havia dito para as pessoas não usarem carros. Entendeu errado, e este tipo de coisa acontece. Após disparar uma ironia contra Eduardo Jorge, perguntando como fariam as pessoas que não têm “vida mansa” como a do candidato, Tas obteve como resposta um singelo soco com luva de pelica: ele, Eduardo Jorge, é médico sanitarista. E se move como a maioria das pessoas no Brasil: pega metrô, ônibus, anda a pé, usa bicicleta. Eduardo Jorge, elegantíssimo, nem sequer levantou a seguinte bola: teriam os brasileiros sem carro uma “vida mansa”? Fica subentendido, contudo, e a resposta todos nós sabemos: a última coisa que alguém que só pode andar de transporte público tem é uma “vida mansa”.

Tas não se deu por satisfeito e acusou Eduardo Jorge de hipocrisia, ameaçando postar uma foto do Eduardo dentro de um carro. Convenhamos, ameaça ridícula, considerando que em momento algum o candidato negou andar de carro. Ele não disse "não andem de carro nunca". Ele pediu o que qualquer pessoa minimamente saudável e razoável já sabe: use menos o carro. Ponto.

O que significa este pedido? Este ano, por ocasião do Encontro Da Nova Consciência em Campina Grande [PB], tive a oportunidade de assistir a uma das palestras mais interessantes deste evento, considerando todas as que já vi desde que – muitos anos atrás – passei a frequentá-lo. O psicólogo Lucas Jerzy Portela deu uma conferência excelente sobre os problemas físicos e psíquicos desencadeados pela carrocracia.

Não pretendo detalhar, nem reproduzir perfeitamente o que Lucas disse. Vou sintetizar as coisas mais importantes, na minha opinião:

1. O uso excessivo de carros causa diversos males físicos e psicológicos.
2. O Brasil peca por se nortear em torno de uma veneração ao veículo automotivo por combustão: o carro.

Quais as soluções apontadas por Lucas? Sim, ele deu várias soluções práticas, e em nenhum momento estabeleceu um manual ou guia que devesse ser seguido, com fórmulas prontas ao estilo de imperativos categóricos kantianos. O que ele solicita [na verdade, não ELE apenas; o movimento pela libertação da carrocracia é muito mais amplo do que a existência do palestrante] é que as pessoas sejam razoáveis para o bem de sua própria saúde. E ser razoável significa pensar.

Por exemplo: se o lugar para onde você vai fica a dois quilômetros de onde você está, como você deveria se locomover? A não ser que você tenha restrições de movimento ou quaisquer outros problemas que justifiquem o carro, você deveria ir a pé. Não faz sentido ir de carro, ônibus ou táxi. Caminhar estes dois quilômetros vai fazer bem para sua saúde. Isso satisfaz inclusive outro ponto salientado por Lucas: a atividade física deveria ser processual, não pontual. Nós deveríamos estar em atividade física constante, ao invés de apenas dedicar uma hora por dia a isso.

Vamos a um exemplo prático e alguns contrastes: da minha casa até minha academia, são 800 metros. Eu vou a pé, todos os dias. Subo uma escadaria considerável e vou caminhando, já me aquecendo. Na volta, são mais 800 metros. 1,6 km de caminhada, sem contar o tempo na academia.

Eu conheço quem mora a 500 metros da minha mesma academia e vai até ela de carro. Além de ser mais um carro nas ruas [e um carro desnecessário, convenhamos], a pessoa ocupa uma vaga de estacionamento que poderia ser de outra pessoa que vem de um lugar mais distante. Um argumento possível “ir de carro é mais seguro” simplesmente não cola, pelo menos não NESTE trajeto. Seria mais honesto se estas pessoas assumissem: “sou viciado(a) em meu carro”. E, claro, tentassem reformular a maneira de usar tal veículo.

Não se trata de instituir o Império da Bicicleta, a Tirania do Pedestre, ou algo assim. A depender da distância e do que se encontre no trajeto [ladeiras imensas, chuva torrencial etc], faz mais sentido usar outros veículos. Fazer valer a razoabilidade é algo ao alcance de qualquer pessoa com inteligência normal e que não esteja profundamente adoecida pelo transtorno compulsivo carrocrático. O que se pede, é: pense no seu movimento pela cidade.

Quando vou para a USP [três vezes na semana], considerando o aperto do horário, eu vou de táxi. 17 reais até onde devo ir. Volto de ônibus, já que na volta não há pressa, o ônibus não vai lotado, e me deixa bem perto de casa.

Fiz uma experiência considerando meu trajeto até a escola onde aperfeiçoo meu inglês. Medi três vezes cada possibilidade.

De táxi, da minha casa até a escola, eu pago 24 reais e levo 30 minutos, às vezes mais, em decorrência do tráfego. É uma loteria.
De ônibus+metrô, eu pago 4,65 reais e levo redondos 20 minutos. O máximo que já levei foram 25 minutos.

Qual o sentido de pagar cinco vezes mais e ainda chegar 10 minutos depois? O conforto de estar sozinho num táxi? O glamour de ouvir o taxista derramando suas opiniões sobre a existência? [comigo quase sempre acontece, eu devo ter uma magnífica cara de machista pra ter que ouvir as piadas que eles contam e outros comentários, sendo que só eles riem até sucumbirem ao silêncio constrangedor que imponho].

Não faz sentido no meu caso, principalmente considerando que o ônibus e o metrô não estão lotados no horário que eu vou para a escola. Se eu vou num horário em que o ônibus está lotado, pego o táxi até o metrô: 12 reais até a estação. Com mais 3 reais, pego o metrô e corto todo o congestionamento, e ainda ajuda a tornar as ruas menos congestionadas. Em 4 estações, chego à escola.

Cada caso, evidentemente, é um caso. O fato é: temos carros, temos ônibus, podemos andar a pé, temos metrôs, há quem use bicicleta. Com tantos recursos à disposição, alguns bem razoáveis a depender do horário, ainda há quem use APENAS o carro. Exclusivamente o carro. SEMPRE.

E é nesta parte que alguém vai dizer “pra você é fácil falar! Eu moro na Zona Oeste e trabalho na Zona Leste! De transporte público minha vida seria uma merda!”. Se você pensou em usar este argumento, simplesmente pare e leia tudo novamente. Eu não estou dizendo que carro é proibido, mau e feio, não estou dizendo que carros são o demônio. Eduardo Jorge também não disse isso em momento algum. Se sua situação pede um carro, use-o.

[Lucas, o psicólogo, chega a ser mais duro sobre isso. Em sua palestra, ele disse que não faz o menor sentido morar tão longe do trabalho. Sugere que, se for seu caso, mude de casa, ou de trabalho. Claro, falar é fácil e nem todo mundo pode se dar a este luxo. Mas faz sentido considerar isso. Sua qualidade de vida aumentará substancialmente, se você conseguir morar perto do trabalho. A diferença será percebida em seu corpo e sua mente]

Pois voltemos aos 20 centímetros. É o tamanho de nossas mãos espalmadas. Olhe pra sua mão. Abra-a. Vislumbre a distância do mindinho ao polegar.

Em recente projeto informado pela prefeitura de São Paulo, Haddad anunciou que irá transformar o canteiro central da Avenida Paulista numa ciclovia permanente. Exatamente: aquele canteiro inútil, ele será um pouco mais elevado e será uma ciclovia permanente. Além disso, passará a fibra ótica por baixo da avenida, retirando da Alameda Santos aquele aspecto horroroso de varal de quinta categoria. Sim, porque até os de Nápoles são mais charmosos.

Esta nova ciclovia vai tomar algum pedaço do trajeto dos carros? Sim. VINTE CENTÍMETROS DE CADA LADO. Isso mesmo, a extensão de sua mão espalmada.

Desespero, agonia: Haddad quer destruir São Paulo. Os donos de carros estão sendo oprimidos, coitadinhos. Vi de tudo subir em meu feed de notícias, hoje, desde reclamações mais moderadas até as completamente loucas: matem Haddad. Odiei o projeto. Ele vai acabar com a Paulista. Haddad quer oprimir os donos de carros [risos].

Meus caros, ninguém precisa oprimir donos de carros. Eles fazem isso uns com os outros, mutuamente, sempre que agem de maneira louca.

É claro, toda essa reclamação não é pelos vinte centímetros. Só mesmo muita má vontade e ódio a priori pra achar que vinte centímetros a menos de cada lado irá piorar ainda mais o tráfego da Avenida Paulista. Aliás, é ódio a priori que parece funcionar contra Haddad e suas ideias: ele é do PT, odeiem-no. Queria eu que Kassab ou qualquer outro prefeito do PSDB tivesse feito isso que Haddad agora ousa fazer. Aquele canteiro ridículo no meio da Paulista, um espaço inutilizado, se converterá em nova opção de trajeto veicular. Eu acho é ótimo.

A castração dos 20 centímetros do espaço para carros, sendo tomada como uma castração simbólica dos pintos carrocráticos, reflete apenas a má vontade diante de uma coisa que não muda o já existente: há um canteiro central largo e inútil na Avenida Paulista.

O que piora o tráfego da Paulista não são estes 20 centímetros a menos de cada lado. São NOVOS CARROS. O que piora o tráfego da Paulista é gente sem noção que anda de carro por ali, sendo que poderia caminhar, pegar o metrô [a linha verde é ótima]. Ou passar a usar a ciclovia a ser inaugurada.

Pausa. Novo exemplo, pra ficar bem ilustradinho: uma das pessoas que estuda na mesma escola de inglês que eu, mora ao lado da estação Brigadeiro. Nossa escola fica pertinho da estação Consolação. Esta pessoa tem a minha idade. E vai de carro. DE CARRO. Ela poderia ir a pé, ela poderia ir de metrô, mas não, ela vai de carro. Não, ela não é aleijada. Ela é viciada. Em carro. Ela é louca. E esnobe. Um dia, perguntei a ela: "mas por que você vem de carro?". Ela respondeu: "porque eu posso".

Porque eu posso. Então tá, né? Só existe a senhora no mundo. Maluca.

O argumento de que São Paulo não é uma cidade europeia para ter tantas ciclovias procede de algum modo. De fato, São Paulo não é Europa, parem de compará-la a Londres, isso ofende Londres. Ela foi feita para copiar Chicago e sua carrolândia. O relevo de altos e baixos não ajuda a quem quer andar a pé ou de bicicleta. Mas você não precisa andar de bicicleta por toda a cidade, ora!

Mas a principal diferença entre Sampa e as cidades europeias não está no relevo. Está na mentalidade. As Américas em geral, do norte ao sul, consideram o carro um símbolo de status e de poder. Europeus são diferentes, neste ponto. Europeus andam, e como andam! Mesmo com o metrô maravilhoso deles. Eles andam. A imagem de gente de 70 anos, magra e definida, andando de bicicleta, é banal em várias cidades europeias.

Desde que vim morar em Sampa, há quase dez anos, só ouço reclamações sobre o trânsito, dos próprios paulistas natos. Alternativas estão sendo dadas. A minha parte eu fiz: podendo ter carro, não o tenho. Não faz sentido em minha vida, não faz sentido em meus trajetos, se preciso de um, pego um táxi. Gasto menos do que gastaria se tivesse carro. Você precisa ter um? Então tenha. Mas reveja seus hábitos, verifique se você faz alguma coisa parecida com as que descrevi neste post enorme. A Europa, que tantos admiram, precisa primeiro ser trazida para dentro de você. Se você fizer isso, talvez os 20 centímetros saiam não apenas da Avenida Paulista. Sairão, também, da sua cintura americana carrocrática.

Alexey Dodsworth Magnavita

domingo, 7 de setembro de 2014

Afinal, quem são "os evangélicos"?

*texto originalmente publicado na Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/afinal-quem-sao-201cos-evangelicos201d-2053.html
Homofóbicos, cortejados pela presidente, fundamentalistas. Massa de manobra de Silas Malafaia, conservadores, determinantes no segundo turno das eleições. De tanto que se falou sobre os evangélicos nas últimas semanas, nos jornais e nas redes sociais, talvez caiba uma pergunta: afinal, quem são “os evangélicos”?
A resposta mais honesta não poderia ser mais frustrante: os evangélicos são qualquer pessoa, todo mundo, ou, mais especificamente, ninguém. São uma abstração, uma caricatura pintada a partir do que vemos zapeando pelos canais abertos misturado ao que lemos de bizarro nos tabloides da internet com o que nosso preconceito manda reforçar. Dizer que “o voto dos evangélicos decidirá a eleição” é tão estúpido quanto dizer a obviedade de que 22,2% dos brasileiros decidirão a eleição. Dizer que “os evangélicos são preconceituosos”, significa dizer o ser humano é preconceituoso. É não dizer nada, na verdade.
Acreditar que há uma hegemonia de pensamento, de comportamento ou de doutrina evangélica é, em parte, exatamente acreditar no que Silas Malafaia gosta de repetir, mas é, em parte, desconhecer a história. A diversidade de pensamento é a razão de existir da reforma protestante. E continuou sendo pelos séculos seguintes, quando as igrejas reformadas do século 16 deram origem ao movimento evangélico, estes aos pentecostais e estes aos neopentecostais, todos microdivididos até o limite do possível, graças, novamente, à diversidade de pensamento – sobre forma de governo, vocação e pequenos pontos doutrinários. Boa parte destas, sem organização central, sem “presidência” nem representante, com as decisões sendo tomadas nas comunidades locais, por votação democrática.
Assim como não existe “os evangélicos” também não existe “os pentecostais”, nem “os assembleianos”: dizer que Malafaia é o “papa da Marina Silva” como disse Leonardo Boff, apenas porque ambos são membros da Assembléia de Deus, é ignorar que, por trás dos 12,3 milhões de membros detectados pelo IBGE, a Assembleia de Deus é rachada entre ministérios Belém, Madureira, Santos, Bom Retiro, Ipiranga, Perus e diversos outros, cada um com seu líder, sua politicagem e sua aplicação doutrinária. A Assembleia de Deus Vitória em Cristo de Malafaia, aliás, sequer pertence à Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil.
Ignorância parecida se manifesta em relação ao uso do termo “fundamentalista”, como sinônimo de “literalista”, aquele incapaz de metaforizar as verdades morais dos textos sagrados. A teologia cristã debate há dois mil anos sobre a observação, interpretação e aplicação dos escritos sagrados, quais são alegóricos e quais são históricos, quais são “poesias” e quais são literais. O deputado Jean Wyllys, colunista da Carta Capital, do alto de alguma autoridade teológica presumida, já chegou à sua conclusão: o que não for leitura liberal, é fundamentalista e, portanto, uma ameaça às minorias oprimidas. (Liberalismo teológico é uma corrente teológica do final do século 19 que lançou uma leitura crítica das escrituras, completamente alegorizada, negando sua autoridade sobrenatural, a existência dos milagres, e separando história e teologia).
Só que isso simplesmente não é verdade. Dentro da multifacetação das igrejas de tradição evangélicas, há as chamadas “inclusivas”, mas há diversas igrejas históricas, tradicionais, teologicamente ortodoxas, que acreditam nos absolutos da “sola scriptura” da Reforma Protestante, mas que têm política acolhedora e amorosa com as minorias. Algumas criaram pastorais para tratar da questão homossexual, outras trabalham para integrá-los em seus quadros leigos; outros, como disse o pastor batista Ed René Kivitz, estão mais dispostos a aprender como tratar “uma pessoa que está diante de mim dizendo ter sido rejeitado por sua família, pelo meu pai, pela minha igreja” do que discutir a literalidade dos textos do Velho Testamento.
O panorama da questão pode ser melhor entendido em Entre a cruz e o arco-íris: A complexa relação dos cristãos com a Homoafetividade (Editora Autêntica), livro qual tive a honra de editar. Nele, o pastor batista e sociólogo americano Tony Campolo, ex-conselheiro do presidente Bill Clinton, diz: “Se você vai dizer à comunidade homossexual que em nome de Jesus você a ama (...) não teria que lutar por políticas públicas que demonstrem que você as ama? Pode haver amor sem justiça? Eu luto pela justiça em favor de gays e lésbicas, porque em nome de Jesus Cristo eu os amo.” Campolo, entretanto, faz distinção entre direitos e casamento: “O governo não deve se envolver nem declarar, de forma alguma, o que é casamento, quem pode ou não se casar”, ele disse. “Governo existe para garantir os direitos das pessoas. Casamento é um sacramento da igreja – governos não devem decidir quem deve ou não receber esse sacramento.” Campolo acredita que esta será a visão dominante entre cristãos americanos “em cinco ou seis anos”.
Entre os evangélicos brasileiros há quem pense desde já como Campolo – distinguindo união civil de casamento. Há quem pense de forma ainda mais radical: que a união civil, com implicações patrimoniais e status de família, deveria valer não apenas para casais homossexuais, mas para irmãos, primos ou quem quer que se entenda como família. Há quem defenda o acolhimento dos gays nas igrejas, mas o celibato para eles. Quem, embora sabendo que mais da metade das famílias brasileiras já não são no formato pai-mãe-filhos, ainda luta para restabelecer esse padrão idealizado. Há, sim, quem acredite que o seu conjunto de doutrinas e o seu modo de vida são fundamentais. Há aqueles que, enquanto estamos discutindo aqui, está mais preocupado se a melhor tradução do grego é a João Ferreira de Almeida ou a Nova Versão Internacional. E há quem acorde diariamente acreditando ser porta-voz do “povo de Deus”, pague espaço em redes de televisão para multiplicar esse delírio (mas, a julgar pelo 1% de intenção de voto do Pastor Everaldo, somente ativistas gays e jornalistas desmotivados acreditam nesse discurso). Esses são “os evangélicos”.
Na fatídica sexta-feira em que o PSB divulgou seu programa de governo, enquanto Malafaia gritava no Twitter em CAPSLOCK furibundo, o pastor presbiteriano Marcos Botelho, postou: “Marina, que bom que vc recebeu os líderes do movimento LGBTs, receba as reivindicações com a tua coerência e discernimento de sempre e um compromisso com o estado laico que é sua bandeira. Vamos colocar uma pedra em cima dessa polarização ridícula entre gays e evangélicos que só da IBOPE para líderes políticos e pastores oportunistas.”
Botelho não representa “os evangélicos” porque não existe “os evangélicos”. Mas Marcos Botelho existe e é evangélico. Assim como existe William Lane Craig, o filósofo que convida periodicamente Richard Dawkins para um debate público, do qual este sempre se esquiva; existe o geneticista Francis Collins vencendo o William Award da Sociedade Americana de Genética Humana; existe Jimmy Carter, dando aula na escola bíblica no domingo e sendo entrevistado para a capa da Rolling Stone por Hunter Thompson na segunda-feira; existe o pastor congregacional inglês John Harvard tirando dinheiro do próprio bolso para fundar uma universidade “para a honra de Deus” nos Estados Unidos que leva seu sobrenome; existe o pastor batista Martin Luther King como o maior ativista de todos os tempos; existe o jovem paulista Marco Gomes, o “melhor profissional de marketing do mundo”, pedindo licença para “falar uma coisa sobre os evangélicos”. E existe o Feliciano, o Edir Macedo, a Aline Barros, o Thalles Roberto, o Silas Malafaia e o mercado gospel. Como existe bancada evangélica, mas existem os que lutaram pela “separação entre igreja e estado” na constituição, e existem os que acreditam que levar Jesus Cristo para a política é trabalhar não para si, mas para os menos favorecidos.
Existe o amor e existe a justiça, como existe o preconceito, o dogmatismo, o engano, o medo, a vaidade e a corrupção. Não porque somos evangélicos, mas porque somos humanos.

Ricardo Alexandre é jornalista e escritor, radialista e blogueiro, Prêmio Jabuti 2010, ex-diretor de redação das revistas Bizz, Época São Paulo e Trip. E é membro da Igreja Batista Água Viva em Vinhedo, interior de São Paulo.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Em retrospecto.

Amanhã o blog faz um ano de existência.

Então, o correto seria escrever esse texto amanhã, correto? Sim, mas provavelmente isso não vai ser possível. Sábado meu notebook, após meses travando e desligando sozinho e me tirando a paciência, parou de ligar. Tive de mandá-lo pra assistência. Estou escrevendo esse texto de um lugar como a lan house que salvou a minha pele nos meus primeiros anos em Aracaju, com a diferença de que esta é de graça e fica na biblioteca da UFS. E eu poderia escrevê-lo amanhã, neste mesmo local? Não. Sexta-feira é o único dia em que não tenho horário livre das 13h às 15h. 

Como se vê, minha falta de sorte continua firme e forte.

Inicio de facto esse texto admitindo uma dura verdade: o blog perdeu um pouco de sua importância pra mim ao longo de 2014. Passei a recorrê-lo cada vez menos para minhas reflexões. Na sua descrição está escrito "o expurgo de um coração partido", mas ele já não está mais partido. Está curado, graças a Deus. Quando eu terminar esse texto vou editar a descrição. Espero nunca mais ter de colocá-la de novo.

É estranho pensar que eu negligenciei o blog este ano, quando tinha muito mais motivos para recorrer a ele. Faltam 4 meses pra 2014 acabar, mas já posso dizer que este foi o ano mais difícil da minha vida. Pra não dizer o pior.

É, continuo mal na universidade. O dinheiro continua apertado. Mais dificuldades surgem, umas provocadas por minha imaturidade e incompetência, outras que estão além de minha compreensão e do meu controle. A raiva, a mesquinhez, a falta de iniciativa, o estresse, a tristeza, a angústia, o desespero, essas coisas queimam dentro de mim e me dominam tantas vezes. A carne, essa maldita carne, muitas vezes me domina e cega. Sobressai-se ao Espírito e seus frutos.

Sinto falta dos amigos que fiz no primeiro semestre, os que tiveram competência para seguir em frente. Fiquei pra trás, e quantas vezes esse sentimento de inferioridade latejou em minha mente. Como se eu precisasse de mais motivos pra me sentir inferior ou diminuído. Outras amizades tiveram de ser reavaliadas. 

(E outras maravilhosas surgiram. Nem tudo são espinhos e minha vida)

Quantas vezes quis me confessar para alguém tudo o que estava passando ou sentindo, e no entanto travei, guardei em meu coração, corroendo-o. As coisas mais difíceis de serem ditas...

A dualidade do ser engenheiro e ser escritor. Tenho condições de avaliar se Engenharia Civil é realmente o curso que quero? Considerando o que (não) fiz, acho que ainda não. Mas o que pensar, quando você faz um teste vocacional (um confiável, porque convenhamos que esses testes vocacionais da internet às vezes são mais falsos do que notas de 3 reais) que te identifica como uma pessoa analítica com vocação pra História e Letras? Como se eu já não estivesse confuso o suficiente.

Paralelamente o livro começou a ganhar feedback. Não apenas dos meus leitores betas, mas de uma editora, a Chiado, que se mostrou plenamente interessada em publicá-lo. Da minha parte eu assinaria aquele contrato na hora em que o li, mas meus pais e tios - que me bancariam - decidiram que era melhor procurar mais editoras antes de chegar a uma resposta final. Tive de aceitar, mas não sem resignação. O livro vai ter de esperar. Eu vou ter de esperar.

Mas estou cansado. Cansado desse semestre, cansado dessa rotina, cansado desse controle quase paranoico sobre meus gastos, cansado de repetir os velhos erros e não ter iniciativa para mudá-los, de esperar por algum momento mágico onde esteja bem. Eu olho para os céus e clamo por socorro, mas tantas vezes só encontro silêncio. E tu, ó Pai, é o único para quem eu posso dirigir minha raiva, o meu desespero, o meu choro. 

Mas mesmo nos momentos mais sombrios ainda encontramos alguma luz. Ou ela é posta para nós, de uma maneira inesperada, e de repente nos revoluciona, vira nossas vidas de cabeça para baixo. E nos instiga a ser alguém melhor.

Disse muitas coisas, mas nem estas palavras seriam capaz de expressar tudo o que passei  e vivenciei, para o bem ou para o mal. Espero que o blog não seja apenas um local de confissão de um universitário dramático, mas sempre um espaço de análise das coisas do mundo, do Espírito, daquilo que habita dentro de mim e que vale a pena ser exposto. Por fim deixo um agradecimento àqueles que se dispõe a ler esses textos e assim conhecerem mais de mim ou do que e como penso. 

E que venham ainda mais anos d'As Coisas que Sei.

sábado, 23 de agosto de 2014

A Terra-Média e eu.

Ontem terminei de ler O Senhor dos Anéis. Duas semanas atrás, peguei os livros e O Hobbit emprestados com o Jefferson para finalmente ler, após anos e anos dizendo a mim mesmo que já devia ter feito isso há mais tempo.
Ontem eu os terminei. E se houve em mim quaisquer arrependimentos por não tê-los lidos antes, era ínfimo diante de toda a admiração e paixão que nutro por essa obra magnânima.
Admito que estava com receio. Receio de achar a linguagem de Tolkien enfadonha, me perder em suas longas descrições, receio de achar que não proporcionaria a experiência que milhões de pessoas tiveram ao longo desses mais de 70 anos de existência da saga da Terra-Média. Bem, convenhamos: algumas partes cansam. Os hobbits na floresta, Frodo e Sam viajando pra Mordor. Muitas e muitas viagens, e sendo eu um cara pragmático e mais voltado para uma leitura objetiva e direta, senti realmente um cansaço nessas partes. Além de que, pelo fato de estarmos falando de um livro só dividido em três volumes, em alguns momentos ele acaba por ser bastante anti-climático. Ou alguns aspectos da própria linguagem utilizada nas conversas e pensamentos. Ou o excesso de canções.
Mas felizmente, e tenho orgulho em dizer isso, nenhum desses supostos aspectos negativos diminuiu minha visão em relação à obra. Não, eu posso dizer com certeza: DEVOREI esses livros. Li O Hobbit e A Sociedade do Anel em cinco dias cada, e As Duas Torres e O Retorno do Rei em três dias cada. Nem todos os dias eram possíveis, por causa da rotina da universidade, das minhas obrigações, mas sempre que possível lá estava eu lendo alguma passagem. Cada ida e volta da UFS, sentado no ônibus (e se possível, até mesmo a pé), lá estava eu lendo. Naquela aula chata também (sim, confesso). Em casa. Em suma, em todos os espaços que me permitiam a leitura. Estava completamente imerso naquele mundo.
No entanto, não foi exatamente a história que me fez ver a amplitude e a complexidade da Terra-Média, mas sim os longos apêndices do Retorno do Rei, onde Tolkien mostra todo o seu cuidado com a história, os reinos, as raças, as eras, as línguas, os calendários, a escrita. Como um filólogo, ele realmente se preocupou em tratar das diferentes linguagens usadas pelos povos da saga, com tanto esmero que é impossível no fim das contas não acreditar que esse mundo existe. Nem que seja na mente e coração de cada leitor. A verossimilhança da Terra-Média e de seus personagens é incontestável.
E os personagens? Ah, são tantos para se amar, odiar, admirar, desprezar. Do Frodo heróico e "seu" Sam (não posso negar que vi ali muito mais do que amizade e lealdade, mas nada que mude minha visão de que no fim das contas é Sam o grande herói, dando a seu mestre a força e o incentivo necessários quando tudo parece estar perdido), a cumplicidade de Merry e Pippin e suas consequentes interações com os antigos Ents, Gondor e Rohan (ah, o Denethor trágico e o Théoden gentil... esses personagens me marcaram, especialmente o último e sua relação paternal com Merry), a beleza e o complexidade de personagens femininas como Éowin e Galadriel, a sabedoria e os mistérios de Gandalf, a pioneira amizade de Legolas e Gimli, a majestade de Aragorn, a arrogância e queda de Boromir, o caráter digno de Faramir, o asco que Gollum nos traz, as maquinações e traições de Saruman (culminando num dos finais mais agridoces que já li), o nosso amado e divertido Bilbo e os Treze Anões... essa galeria de personagens tão complexos, memoráveis até os nossos dias e que assim o serão por anos e anos.
Por fim, chego ao peso que LoTR tem sobre a literatura fantástica. Se você é fã do gênero mas ainda não os leu, te digo uma coisa: não, você NÃO TEM a obrigação de lê-los. Mas por favor, leia, e assim entenderá o legado, o que essa saga significa para o gênero, goste ou não. E se, mesmo que no nosso mundo estejamos cansados de dualismos e maniqueísmos, de "jornadas dos heróis", entenda que de forma alguma esses livros se resumem a isso. Tolkien criou um mundo que até hoje nos influencia, nos move, nos encanta, nos entristece, um mundo como jamais existiu outro igual e que ainda é a base de muitos. E se há aqueles que insistem nas comparações ASOIAF x LoTR, só digo duas coisas: ambas as sagas são reflexos de seus tempos. E ambas são atemporais à sua maneira.

"Não gosto de nada por aqui - disse Frodo, - pedra ou poço, água ou osso. Terra, ar e água, tudo parece amaldiçoado. Mas nessa direção vai nossa trilha.
-É, é isso mesmo - disse Sam. - E de modo algum estaríamos aqui se estivéssemos mais bem informados antes de partir. Mas suponho que seja sempre assim. Os feitos corajosos das velhas canções e histórias, Sr. Frodo: aventuras, como eu as costumava chamar. Costumava pensar que eram coisas à procura das quais as pessoas maravilhosas das histórias saiam, porque as queriam, porque eram excitantes e a vida era um pouco enfadonha, um tipo de esporte, como se poderia dizer. Mas não foi assim com as histórias que realmente importaram, ou aquelas que ficam na memória. As pessoas parecem ter sido simplesmente embarcadas nelas, geralmente seus caminhos apontavam naquela direção, como se diz. Mas acho que eles tiveram um monte de oportunidades, como nós, de dar as costas, apenas não o fizeram. E, se tivessem feito, não saberíamos, porque eles seriam esquecidos. Ouvimos sobre aqueles que simplesmente continuaram nem todos para chegar a um final feliz, veja bem; pelo menos não para chegar àquilo que as pessoas dentro de uma história, e não fora dela, chamam de final feliz. O senhor sabe, voltar para casa, descobrir que as coisas estão muito bem, embora não sejam exatamente iguais ao que eram como aconteceu com o velho Sr. Bilbo. Mas essas não são sempre as melhores histórias de se escutar, embora possam ser as melhores histórias para se embarcar nelas!(...)

Pois este mundo, o princípio de todas as coisas, foi o primeiro passo para a construção do gênero literário do qual sou mais adepto, tal qual o conhecemos. E por isso lhe sou eternamente grato, Tolkien.

domingo, 27 de julho de 2014

"Actions speak a little louder than words."



E aqui estamos nós, dando continuidade à esta longa resenha sobre um dos meus álbuns preferidos de todos os tempos, o fantástico Beyond Belief do Petra. Na primeira parte falei acerca da importância da banda pra mim e como eu a estava redescobrindo, e das primeiras cinco músicas do álbum, que compõem o seu lado A. Agora tratarei das outras cinco, que formam o lado B.



Ele já começa a todo vapor com a canção mais pesada do álbum: Underground. É uma música que nos incita a permanecer fortes mesmo quando o mundo está contra nós, mesmo quando somos rejeitados por causa daquilo em que acreditamos. É uma música que demonstra força, desde sua introdução agressiva até seu final em fade-out, os vocais repetindo o refrão viciante: "I won't go underground, i won't turn and flee, i won't bow the knee, i won't go underground". 



E a próxima música é nada mais nada menos do que ela, Seen and not Heard! Depois de meses utilizando sua frase como um "mantra" é mais do que o momento de falar do que se tratam suas letras. E que letras! Fortes, contundentes, um tapa na cara! "There's too much talk and not enought walk, sometimes God's children should be seen and not heard". Fala de como nós cristãos estamos presos em discursos legalistas e litúrgicos, presos em estruturas religiosas que não convencem nem atraem neste mundo pós-modernista, pós-Deus, pós-tudo. "Let your light so shine in all you do, with an answer near when they come to you, don't let your mouth start talkin' until your feet start walkin'". É disso que estou falando, cara! É isso que quero levar pra minha vida. Pregar o Evangelho e se preciso usar palavras.


Last Daze, a oitava música, é provavelmente a mais subestimada aqui. Eu mesmo confesso que nunca dei muita atenção a ela. Suas letras são profundamente escatológicas, prenúncios sombrios dos últimos tempos. Musicalmente é outra canção forte (criar refrões cativantes é uma obrigação do rock oitentista e um dos grandes trunfos do Petra). Eu adoro a quebra no meio da música após o esquema verso-refrão-verso-refrão, onde teclados e baixo fazem a camada antes de Bob Hartman entregar mais um de seus solos míticos. Nota-se, depois do solo, uma "ponte", um elemento comum em várias músicas da banda, antecedendo o refrão e o final da música.


What's in a Name é outra canção relativamente desconhecida. Enquanto que eu penso que ela ficaria melhor como sendo a oitava música e Last Daze a nona, é uma música bastante enérgica, com bastante variações melódicas. Suas letras, baseadas em Filipenses 2.9-10, são gloriosas: quem é Este que expulsa demônios, que até o vento e o mar obedecem, que traz os mortos de volta à vida, que se sacrifica por amor de nós pecadores? Para alguns é o filho de um carpinteiro, para outros apenas mais um profeta de meras palavras bonitas; há quem negue que Ele realmente existiu. Mas eu sei no que tenho crido. Sei onde posso encontrar minha rocha, meu porto seguro, meu Alfa e Ômega, Emanuel.

"No other name can sound so sweet
No other name is so complete
No other name can bring release
The Mighty God, the Prince of Peace"(8)





E assim como Love fechou o lado A, é hora de mais uma bela e calma canção fechar o lado B. Prayer. Uma oração cantada, pura e simplesmente. Uma canção de agradecimento, adoração, prece, doces palavras que demonstram uma gama de sentimentos. Essa música é maravilhosamente linda. Aquele tipo de canção que precisa ser sentida, pois meras palavras não poderiam defini-las. Uma maneira majestosa e ao mesmo tempo simples de se encerrar esse álbum.

Ao fim dessa experiência tão singular que é ouvir Beyond Belief, ainda mais tendo-se consciência das mensagens passadas pelas letras de cada música, é difícil não se interessar pelo Petra. Não apenas pelos gêneros de fácil assimilação que eles tocam, mas principalmente porque o impacto causado por suas músicas mostra que essa não é uma banda de clichês líricos. Pelo contrário, ao longo de sua extensa trajetória eles têm demonstrado uma integridade maravilhosa com o compromisso assumido de serem músicos servos. 

Este foi um texto escrito com o coração, palavras sinceras de quem cresceu ouvindo o som desses caras, mas que só está dimensionando a importância disso agora. Uma série de razões me levou a escrever essa resenha: a conversa com meus colegas ontem, o fato de que Love foi usada numa aula da EBD da minha igreja em Itapetinga (ah, como eu gostaria de estar presente...), uma ideia (talvez não tão) repentina de escrever esse texto por achar esse álbum digno. Espero que para aqueles que nunca ouviram esse álbum ou sequer conhecem o Petra, seja uma boa oportunidade de conhecer essa banda fantástica que tem contribuído e muito para minha vida espiritual. 

Abaixo, está o vídeo de um mini-filme feito pela banda à época do lançamento do álbum para divulgação do mesmo, o qual conta a história de "um jovem atleta cristão que, depois de se sentir decepcionado com o divórcio de seus pais e seu irmão com diagnóstico de câncer, encontra seu caminho de volta para o Pai, numa luta espiritual e de vitória que o leva a uma 'fé incomparável'"¹.



¹Wikipédia

"There is no rock in this world but our God."



"Ações falam mais alto do que palavras."


Como descrever a importância do Petra pra mim e pro rock cristão em geral? Uma banda que, nos idos de 1970, usou um estilo musical tido como "do diabo" para, vejam só, falar de Deus e da Palavra. Foram necessários mais de dez anos para o Petra obter o reconhecimento comercial e crítico de que eram dignos. Reconhecimentos esses obtidos definitivamente com Beyond Belief, seu registro mais aclamado e frequentemente considerado sua magnum opus.

Meu pai costuma brincar dizendo que ele perdeu um show do Petra em 1995 por causa do meu conhecimento. Felizmente isso foi compensado tornando seu filho um fã da banda. Mas assim como aconteceu com o Queen há dois anos atrás, mesmo conhecendo a banda há tanto tempo só nos últimos meses (graças ao Spotify) tenho realmente adentrado o universo de seus discos, seus shows, suas letras. Todo aquele amor que tive pela banda cresceu e cresce exponencialmente.

A frase que inicia esse texto é tirada da letra da música Seen and Not Heard, e para aqueles que acompanham meu blog ou até me conhecem pessoalmente, devem achá-la familiar. Pois bem, aprendi-a com meu "painho" Zica (na versão "aquilo que você faz fala mais alto do que aquilo que você fala") e a tomei como um lema para minha vida, um princípio moral, um norte. Ontem, eu estava no subway com meus colegas e sem saber como a discussão foi parar em religião. Eu e mais dois tentávamos convencer o outro acerca da importância do cristianismo. Mas nossas palavras não foram suficientes. Então eu lancei a ele, "espero que meu exemplo de vida fale mais a você do que o que eu digo". Ou algo assim.

Sabe, enquanto que eu sempre me importei mais com a música do que com a letra, nos últimos tempos sinto que não posso aplicar isso à música cristã. Não quando não sinto Deus falando naquela canção, quando me canso dos clichês "gospels". E meu amigo, se tem uma coisa no qual o Petra sabe ser excelente além de sua musicalidade é em suas letras. Claro que as traduções não podem ajudar, mas Bob Hartman, guitarrista e principal compositor/letrista da banda ao longo de seus quarenta anos de história, sabe como poucos trazer para as canções da banda a essência da Verdade, do Evangelho. Que quando têm de ser críticas são, que quando têm de ser gratificantes ou confessionais, também são.

Se tudo o que eu disse te convenceu a ouvir a banda, comece por Beyond Belief. Se não, escute-o do mesmo jeito e tire suas próprias conclusões. 



É impossível não sentir aquele "instiga" a gritar "hey-ey-hey-ey-ey" que surge nos primeiros segundos de Armed and Dangerous, a primeira música do álbum. Uma deliciosa mistura de hard rock com AOR (Adult-Oriented Rock), gêneros que dominaram os anos 1980 e são plenamente evidentes aqui, mesmo que seja uma obra de 1990. Estamos diante de um hino de guerra, uma convocação nítida em suas letras: "The enemy will tremble, as young and old assemble, a mighty army up in arms". É uma música que resume o tom do álbum, especialmente na sonoridade: os vocais poderosos do sempre sensacional John Schillit, a guitarra tão pesada e melódica de Bob Hartman, o baixo pungente de Ronny Cates e o dinamismo dos teclados "80-nescos" de John Lawry com a bateria memorável de Louie Weaver (são eles dois quem mais contribuem pro aspecto AOR do disco). E a partir daí as coisas só melhoram.



Em seguida vem uma das minhas favoritas de sempre, I Am On the Rock". Sim meu leitor, foi da letra dela que saiu o título deste texto. As letras falam das dificuldades que enfrentamos no mundo, das adversidades que surgem em nossas vidas e que podem sim nos fazer desanimar e perder a esperança; no entanto, se estamos firmados sobre a rocha viva que é Jesus não há o que temer (em tempo: Petra é rocha em grego). Eu amo o riff de guitarra nesta canção, os solos excepcionais de Hartman e novamente me sinto instigado a cantar com os membros da banda as letras. 



Eis que chega Creed. Cara, o que dizer desta canção. Muito provavelmente a declaração de fé mais poderosa, pungente e assombrosa que já vi em toda a minha vida. Creed é credo em inglês, e é disso que ela trata em suas letras, começando por palavras tão arrebatadoras como essas: "I believe in God The Father, maker of heaven and earth, and in Jesus Christ, his only Son, i believe in the virgin birth". Cantadas por um infalível John Schillit, elas são acompanhadas de teclados atmosféricos, seguidos de um baita baixo e bumbo antes que guitarra e bateria completa entrem, trazendo o peso devido a essa música tão maravilhosa. 

"This is my creed
The witness I have heard
The faith that has endured
This truth is assured
Through the darkest ages past
Though persecuted, it will last
And I will hold steadfast to this creed"(8)



A quarta música carrega o nome do álbum e, ah... Pode existir outra mais clássica (indagação difícil num álbum de tantos clássicos pra nós fãs)? Mas caramba, aquele riff que abre a música é eterno. Sempre abro um sorriso quando na minha playlist random ela se inicia. Acho que só esse sentimento que ela me passa, desde seu título ("além da fé"). Porque você sabe né, a fé é o fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que não se veem.

"There's a higher place to go, beyond belief, beyond belief
Where we reach the next plateau, beyond belief, beyond belief"(8)


E assim, encerrando essa primeira parte de minha longa resenha sobre esse disco (que eu não esperava que fosse ficar tão grande, mas é sempre a mesma coisa quando escrevo no blog), falarei da música que encerra o lado A do disco (sim, ele foi lançado ainda na época dos vinis). Seu nome é nada mais do que "Love". Você pode pensar que essa vai ser uma baladinha oitentista meia-boca, mas se Creed é uma declaração poderosa de fé, Love é uma declaração poderosa de amor. E não qualquer amor, mas o ágape, aquele que faz um Pai entregar seu Filho por amor de toda a humanidade. O amor que vemos em I Coríntios 13, aquele que é paciente, bondoso. 

"In this world where push turns to shove
We have strength to rise above
Through the power of His love"Toquem essa música no meu funeral, por favor. Mais importante: VIVAM essa música, dia após dia.(continua na parte 2...)