domingo, 27 de setembro de 2015

Da ideologia, da contradição e da essência cristã.

"É tão intelectualmente desonesto defendermos uma ideologia que não conhecemos, como atacarmos uma ideologia que nunca examinamos. Estudar é fundamental. Livro na mão e pé na lama da favela produzem os melhores intelectuais. E a melhor teologia!

Falava outro dia no Congresso da Juventude Batista Brasileira, realizado em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, quando um grupo de jovens, ao término da minha mensagem, me procurou. Conversamos longo tempo. Gostei demais deles. Todos demonstravam grande inquietação quanto a serem considerados marxistas pelo simples fato de defenderem certas ideias, que na verdade, em seu modo de ver, representam apenas o que o cristianismo proclama. Eles me pareceram lidar com uma pergunta importante, que poucos ousaram responder: quanto do marxismo uma pessoa precisa acreditar para ser considerada marxista? Lembro-me de Dom Hélder Câmara: "Quando dou comida ao pobre dizem que sou santo, quando pergunto por que algumas pessoas são pobres dizem que sou comunista".

Outro tipo de injustiça também pode ser praticada. Considerar necessariamente inimigo do pobre quem rejeita o marxismo. Há muitos que almejam a economia de mercado, com todo seu estímulo à produção de riqueza e competição criativa, regulada pelos ideais de justiça do cristianismo. Eles não creem na revolução do proletariado, não estimulam a luta de classe, e, contudo, rejeitam a exploração do pobre, o lucro como a medida de todas as coisas e a ganância que esgota os recursos naturais do planeta.

Como o cristianismo não cabe nem nas ideologias de direita, nem nas ideologias de esquerda, gostaria de dizer aos que se sentem injustiçados, vítimas dos ataques mais ácidos de ambos os lados, que não ser compreendido é da natureza da verdadeira sujeição a Cristo. Faz parte da vida cristã ser objeto de contradição. O dia em que o mundo nos compreender há muito teremos deixado de viver como discípulos de Cristo.

O importante, seja você de direita, seja você de esquerda, é ser encontrado do lado do pobre, perto de quem o Senhor Jesus sempre esteve. E quando uma chacina como a de Osasco - que interrompeu a vida de 19 pessoas no dia 13 de agosto deste ano -, acontecer, jamais deixar de protestar. Porque você dificilmente será levado a sério se a defesa mais veemente das suas ideias não vier acompanhada da prática concreta da justiça e da misericórdia.

A ideologia sem obras é morta."

Antônio Carlos Costa

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Sobre refugiados, xenofobia e o necessitado.

Nada revela tanto da natureza humana quanto o relacionar-se com o outro. A verdadeira face de muitos - a crueldade e o ódio, a arrogância e o desprezo, a intolerância e o preconceito - pode vir à tona no momento em que são confrontados com as diferenças e necessidades do próximo. E poucas vezes isso tem sido tão evidente do que com a situação dos refugiados na Europa.

Foi preciso a foto de um menino sírio morto numa praia para comover o mundo acerca desse assunto, quando na verdade as raízes dele remontam a eventos como a Primavera Árabe e os conflitos étnico-religiosos que a anos assolam o Oriente Médio e a África. Para cada Aylan Kurdi pelo qual choramos há dezenas de árabes e africanos mortos em praias, ignorados pela grande mídia. No entanto, tão chocante e revoltando quanto ver a precariedade das condições de transporte dessas pessoas, é o tratamento que muitas estão recebendo ao chegarem à Europa.

Recentemente noticiou-se a imagem de uma repórter húngara pondo o pé para um imigrante e seu filho tropeçarem. Isso é apenas a ponta do iceberg. Vê-se uma clara falta de sensibilidade e tolerância da parte de muitos, ao que são somados fortes estereótipos (o muçulmano terrorista, o negro inferior, etc.), que não apenas se baseiam em argumentos equivocados, preconceituosos e parciais, como podem se revelar como heranças do imperialismo e colonialismo europeu, que subjugou os continentes asiático e africano e suas culturas habitantes. Tais heranças se perpetuam até hoje e se revelam em momentos como esse.

Sob gritos de "estão roubando os nossos empregos", "eles podem ter doenças", "precisam voltar para seus países", "não podemos sustentá-los" e etc., esconde-se uma aterradora desumanidade, que precisa ser extirpada de nós. E não precisamos ir muito longe, à África ou ao Oriente Médio, para combatê-la: basta começar pelo menino de rua, para o índio desapossado de sua terra. A luta pelo outro, contra nós mesmos, começa aqui.