quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O direito de se ofender.

Não há limites para o humor hoje.

Estes são tempos de discrepâncias. Há uma guerra entre o politicamente incorreto e o correto, um reflexo da liberdade de expressão vs. o moralismo que zela por nossas consciências. Nestes tempos, uma das máximas que parecem estar sendo pregadas é a da passividade ante a depreciação, um conceito camuflado através da ótica permissiva de que deve se levar tudo para o lado do bom humor e ignorar o que é ofensivo nas piadas. Se você se ofende, é taxado de mimizento, babaca, ridículo, e daí pra pior. Cale-se! É uma piada, não deve ser levada a sério, não é?

Contudo, a marcação cerrada em cima das piadas e o teor ofensivo de muitas delas é uma das muitas consequências de uma sociedade estagnada e confusa com seus próprios (des) valores. Uma sociedade que apregoa estar avançando em termos sociais e sexuais, mas em contrapartida sofre dos males de suas próprias hipocrisias. 

O direito de se ofender que eu pus no título refere-se ao fato lógico que estão querendo tirar de nós isso, apenas para justificar que de tudo se zombe. A questão aqui não é evocar uma censura, e tampouco estou defendendo moralistazinhos hipócritas e suas patrulhas do politicamente correto. É só que o limite do humor se dá pela própria consciência, e em tempos de amoralidade o que cerceará o conteúdo das piadas é a reação do próprio público.

Culpados

Agora vamos ver o outro lado da moeda.

A piada evoca o racismo contra negros. Isso a torna cúmplice do racismo? Analisando bem, a piada é um reflexo de um contexto social-histórico, mas afirmar que ela é cúmplice minimizando o fator humano na violência racial é uma tremenda babaquice. É como se seu dedo estivesse apontado apenas para o capanga, não para os outros capangas e o chefão. Lembrando que a questão aqui não é a minimização de um ou de outro. Há muitos culpados, cada um com seu papel.

A lógica é aplicável a outras formas de preconceito e aos estereótipos. Não ignorando o papel da piada em reforçar essa situação adversa, nem isentando o piadista, mas analisando imparcialmente (ou da forma mais imparcial possível) a situação como um todo. Entendendo que a piada pode ser um dos vários meios de se explorar o preconceito ou a crítica subjacente (este caso expresso através da ironia dirigida aos poderosos e aos problemas da sociedade), mas de forma nenhuma é a única culpada. O cerceamento ao que chamo de "humor ofensivo" muitas vezes não se é visto em outras áreas, aonde a discriminação pode ser ainda mais violenta.

Os culpados somos nós. E estou incluso nesse grupo, pelo simples fato de que já compartilhei de muitas piadas de negro, loira burra, de viado. E se eu te disser que não me arrependo de muitas delas? E que faria de novo? Como eu disse, é uma questão de consciência pessoal, muito mais do que uma patrulha ideológica. 

Quando o direito se torna justificativa para a irracionalidade

O grande problema do direito de se ofender reside na capacidade do ser humano de interpretação e aceitação. Quando um grande movimento está acontecendo, é inevitável que acusações desmedidas comecem a aparecer. Isso eu já abordei sutilmente no meu primeiro post sobre "ismos" acerca de exageradas suposições de que certas opiniões, pontos de vistas e até piadas são machistas, e é ainda maior em se tratando da homossexualidade. 

Com a cruzada anti-homofobia que está sendo vista por aí, a interpretação errônea toma conta da internet e cria alvos taxados de homofóbicos. Esse sentimento de patrulha ao conteúdo de diversos comentários é aumentado ante o que eu falei sobre a lógica da piada ser o único meio homofóbico. O direito de se ofender se volta contra si mesmo quando induz a uma intolerância desnecessária na irônica tentativa de se apregoar os direitos iguais, e neste caso não me refiro não só a homossexualidade, mas a todo e qualquer movimento que citei neste texto e outros que estão por aí buscando justiça para as minorias, os sexos, as pessoas. 

No fim, a vigilância mais necessária é a que fazemos sobre nós mesmos.

Tenho convidado meus leitores à reflexão e à reavaliação de seus próprios conceitos. Quero encerrar este texto dizendo que se no fim das contas fui contraditório no que eu disse, não era esta a minha intenção. Basicamente o que quero dizer é que a mesma liberdade de se fazer piada de tudo e de todos pode e deve ser aproveitada para criticá-las, sem o risco de ser taxado de mimizento. Quantas piadas ofendendo a religião que professo foram feitas, e nem por isso saio perdendo a cabeça por aí (embora admito que já cheguei perto várias vezes). Aliás, só a polêmica relação com a religião já renderia um post por si só. Mas por ora me aterei aos assuntos "seculares".

Um comentário:

  1. "a mesma liberdade de se fazer piada de tudo e de todos pode e deve ser aproveitada para criticá-las, sem o risco de ser taxado de mimizento"

    Seria um sonho fazer críticas ao humor sem ser criticada, mas a mania de taxar pessoas prevalece. Quem critica uma piada homofóbica, é logo apontado como LGBT, não importando a sexualidade. Mesmo com piadas machistas. E racismo é ainda pior, já ouvi um "vc se importa pq? é branca que é uma cera!"

    Mas apesar de tudo ainda há esperanças. (acho).

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