quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Quem é este homem?

"A mente bíblica não é a que cita versículos, mas a que raciocina dentro dos parâmetros das Escrituras". [John Stott]

Como eu já apontei aqui no Blog, a Bíblia não é um livro pra ser lido apenas uma vez, tampouco de forma superficial. Possui tantas camadas, simbologias e significados ocultos que mesmo que a leiamos diversas e diversas vezes ao longo de nossas vidas ainda não a compreenderemos completamente.

Eu sei, eu sei. Dúvidas são inevitáveis, muitas vezes. Eu as tenho, confesso. Mas como comentei no meu post anterior tenho evitado ser essa pessoa legalista, que possui um conhecimento superficial das Escrituras, incapaz de explicá-la àqueles que me questionam os porquês da minha fé. Chega desse legalismo dentro da Cristandade; temos de voltar ao que Cristo nos ensinou. E é Dele quem vou falar.

Uma breve análise da persona de Jesus

Tenho relido a Bíblia desde dezembro do ano passado, e esta semana cheguei ao Novo Testamento. E é simplesmente incrível, indescritível, a figura deste homem.

Uma situação interessante que eu vejo é como muitas pessoas, mesmo não se denominando cristãs, ainda assim apreciam e respeitam a mensagem de Cristo, muitas vezes levando alguns de seus preceitos para suas vidas. Para alguns, ele era "apenas" mais um profeta. Lembremos que no tempo em que ele nasceu muitos outros profetas e falsos Messias existiam naquela região, levando suas próprias mensagens. Mas Jesus sempre se revelou diferente destes homens que intentavam ser aquele anunciado. Ele emanava uma autoridade que não podia ser encontrada em seus "sósias", oferecia uma libertação que ninguém mais podia dar, mudava a vida de cada um que o encontrava. Era impossível ser o mesmo depois que se encontrava com Jesus. É impossível ser o mesmo depois que se encontra com Jesus.

"E aconteceu que, estando ele em casa sentado à mesa, chegaram muitos publicanos e pecadores, e sentaram-se juntamente com Jesus e seus discípulos.
E os fariseus, vendo isto, disseram aos seus discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores?
Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes.
Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento"

Mateus 9:10-13

O cumpridor da lei, não o revogador

Muitos argumentam que uma das incongruências da Bíblia reside no fato de que parecem haver dois Deuses nela: o vingativo e destruidor do Velho Testamento, e o piedoso e amoroso do Novo. Contudo, eis que lhe afirmo que este é o mesmo Deus. Não um Deus de várias facetas, que muda com o tempo, mas justo. Justiça não significa necessariamente piedade, mas sim fazer o que se deve fazer. Os judeus, enquanto seu povo escolhido, careciam de seu próprio território após os séculos no Egito e isso explica sua campanha militarista. Ainda assim é um assunto do qual tenho pouco entendimento, e acredito que um, teólogo responderia melhor essa questão. Um teólogo como John Stott, cujas singulares análises da Bíblia e do seu conteúdo muito tem me atraído sua atenção, uma vez que serve pra quebrar alguns "paradigmas" em relação ao que se há de entender da Bíblia.

É interessante notar que a despeito de seu caráter transformador, Jesus em nenhum momento está revogando tudo o que vimos no Antigo Testamento, mas sim ampliando a compreensão daquilo que vimos através dos profetas, dos patriarcas, juízes e reis. Isso é evidente nos dois mandamentos que ele nos dá: "Amar a Deus sobre todas as coisas" e "Amar ao próximo como a ti mesmo". Estes não são o 11º e o 12º mandamentos, tampouco substituirão os dez dados a Moisés, mas são a SÍNTESE destes dez. Você vê, do 1º ao 4º mandamento vemos a relação homem-Deus (sintetizadas em "Amar a Deus sobre todas as coisas"), e do 5º ao 10º a relação homem-homem (sintetizadas em "Amar ao próximo como a ti mesmo"). Se você é capaz de amar a Deus acima de tudo que há no mundo e de amar ao próximo sem os embargos do preconceito e do pré-julgamento, então pode obedecer aos 10 mandamentos, e fazer aquilo que a vida cristã exige.

"Amor é mais serviço do que sentimento." John Stott

Pois onde estiver teu tesouro, ali estará teu coração.

Acredite que nada resume tão bem não só o ministério de Jesus como a mensagem da Bíblia em geral como o Sermão do Monte. Esta é a síntese, o coração do Evangelho. Eu me encanto e surpreendo cada vez que o releio, até porque está aqui meu versículo preferido da Bíblia e uma máxima da minha vida, este que dá nome ao subtítulo do post. 

Engraçado que a primeira vez que li esse versículo não foi na Bíblia, e sim em Harry Potter e as Relíquias da Morte, quando Harry e Hermione visitam Godric's Hollow e visitam o cemitério. Este é um dos dois versículos lidos nos túmulos; o outro é "Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte" (I Coríntios 15.26). 

De alguma forma ambos os versículos passaram a ter um significado especial em minha vida, mas o motivo pelo qual Mateus 6.21 se tornou o meu favorito foi por causa do seu significado extremamente forte. Quer dizer, aonde temos depositado nossas esperanças, nossos sonhos, a nossa alma? O que é realmente importante pra nós? É um assunto que trabalho constantemente aqui no blog, essa questão de valores, e só tendo esse versículo como base poderia fazer um post só sobre ele. Ei, talvez o faça!

Mas essa é apenas uma das incontáveis pérolas que Jesus nos dá ao longo dos capítulos de 5 a 7 de Mateus. O que ele está fazendo é justamente desafiar o senso comum vigente na época e vigente até hoje. É um Evangelho desafiador, este: que nos desafia a não revidar, a fazer o bem pelo bem, e não pela arrogância, a amar nossos inimigos. "As pessoas boas amam seus inimigos", dizia Seu Madruga. E de onde você acha que ele tirou isso? A autoridade de Cristo em sua mensagem é evidenciada diversas vezes nos Evangelhos, como ao final do Sermão:

"E aconteceu que, concluindo Jesus este discurso, a multidão se admirou da sua doutrina;
Porquanto os ensinava como tendo autoridade; e não como os escribas." 
Mateus 7:28-29

Conclusões e pensamentos finais

Jesus enfrentou de cara um sistema corrupto, hipócrita e materialista, que estava deturpando as palavras do Pai. Ofereceu ensinamentos valiosos e transformou toda a humanidade. Como ele mesmo disse, a misericórdia lhe era mais aprazível do que sacrifícios e libações como que o povo fazia nos tempos do Velho Pensamento.

Hoje em dia, o que são esses sacrifícios e libações que têm ocupado o lugar da misericórdia? Quer dizer, o quanto nos distanciamos daquele Evangelho pregado por Cristo, filho de Deus. Quais são os caminhos que temos tomado pensando que nos conduzirão à salvação, quando estamos nos esquecendo de que há apenas um caminho? Por isso volto mais uma vez às palavras sábias de John Stott, que disse acerca de sua conversão:

"Aqui, então, é a questão crucial que temos que chegar. Será que já abrimos nossa porta para Cristo? Será que já o convidamos? Essa era exatamente a questão que eu precisava ter colocado para mim. Pois, intelectualmente falando, eu tinha acreditado em Jesus durante toda a minha vida, mas do outro lado da porta. Eu tinha regularmente me esforçado para dizer minhas orações pelo buraco da fechadura. Eu até tinha empurrado tostões por debaixo da porta, em uma vã tentativa de acalmá-lo. Eu havia sido batizado, ia à igreja, lia a Bíblia, tinha altos ideais e tentava ser bom e fazer o bem. Mas o tempo todo, muitas vezes sem perceber, eu estava segurando Cristo no comprimento do braço, mantendo-o fora. Eu sabia que abrir a porta teria conseqüências graves. Estou profundamente grato a ele por permitir-me abrir a porta. Olhando para trás agora em mais de 50 anos, percebo que esse passo simples mudou todo o curso de direção e a qualidade da minha vida." 

Este tem sido o meu objetivo: voltar a esse Evangelho Jesuíta, afastando-me desses excessos que acometem o cristianismo hoje em dia. Sem esse movimento "gospel" que em nada fala a e sobre Deus, sem esses mercadores da fé, sem esses falsos profetas. Disse o sábio Marcos Almeida, a quem tanto admiro: "A utilização do 'sagrado' para fins comerciais, no final das contas, promove a banalização da vida humana. Não tente vender aquilo que não tem preço". 

Não deixarei de me envolver quanto a liturgia do culto, mas sei que não é ela quem me salva. É a graça irrefutável de Cristo, da qual jamais fomos merecedores mas que ainda assim nos é dada. Continuarei a ter como maior exemplo este homem que maravilhou a muitos e continua a maravilhar e transformar, mesmo em tempos tão árduos para seus seguidores. O mundo passará, mas sua Palavra não passa - é viva, eterna e eficaz. 

Um comentário:

  1. ''...Essa pessoa sublime, que a cada dia ainda preside o destino do mundo, é digna de ser chamada divina, não nesse sentido em que Jesus absorveu todo o divino, ou lhe era idêntico, mas no sentido em que Jesus é o indivíduo que propiciou à sua espécie o maior passo em direção ao divino. A humanidade, tomada no seu todo, oferece um conjunto de seres baixos, egoístas, apenas superior ao animal naquilo em que seu egoísmo é mais refletido. Entretanto, no meio dessa vulgaridade uniforme, colunas se erguem em direção ao céu e atestam um destino mais nobre. Jesus é a mais alta dessas colunas, que mostraram ao homemde onde ele vem e para onde deve se dirigir. Nele se condesou tudo o que há de bom e de elevado em nossa natureza. Ele não foi impecável: venceu as mesmas paixões que nós combatemos. Nenhum anjo de Deus o confortou, a não ser sua boa consciência; nenhum Satã o tentou, a não ser aquele que cada um traz em seu coração. Assim como vários de seus grandes lados se perderam para nós em consequência the ininteligência de seus discípulos, é provável também que muitas de suas faltas tenham sido encobertam. Mas nunca ninguém, tanto como ele, fez predominar em sua vida o interesse pela humanidade sobre as vaidades mundanas. Devotado incondicionalmente à sua ideia, ele subordinou todas as coisasa tal ponto que o universo não existiu mais para ele. Foi por esse acesso de vontade heróica que ele conquistou o céu. Não houve nenhum homem, talvez excetuando Sáquia-Múni, que tenha a tal ponto relegado a família, as alegrias deste mundo, e todo cuidado temporal. Ele vivia apenas de seu Pai e the missão divina que ele estava convicto de preencher.
    Quanto a nós, eternas crianças, condenados a impotência, nós que trabalhamos sem colher, e que nunca vemos o fruto do que semeamos, curvemo-nos diante desses semideuses. Eles souberam o que nós ignoramos: criar, afirmar, agir. A grande originalidade renascerá ou o mundo se contentará de agora em diante em seguir as trilhas abertas pelos ousados criadores das antigas eras? Não o sabemos. Mas quaisquer que possam ser os fenomênos inesperados do futuro, Jesus não será ultrapassado. Seu culto se rejuvenescerá constantemente; sua lenda provocará lágrimas sem fim; seus sofrimentos enternecerão os melhores corações; todos os séculos proclamarão que entre os filhos dos homens, não nasceu nenhum maior que Jesus''.
    Ernest Renan em ''Vida de Jesus".

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